O MST no Brasil presta homenagem aos trabalhadores sem terra mortos pela polícia em 1996

Fonte: Truthout


Barracos ocupados por membros do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil. (Foto: Matteo Turilli/Flickr)

Os trabalhadores rurais sem terra ocupam fazendas no Brasil para cumprir as promessas e as obrigações do movimento popular de reforma agrária e para recuperar um senso de justiça. As ocupações de terra no Brasil acontecem continuamente, durante todo o ano. Porém, o mês de abril – designado Abril Vermelho – comemora e presta homenagem aos companheiros do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mortos no massacre de Eldorado dos Carajás. Mais do que 46 ocupações de terra em 15 estados ocorreram entre os dias 17 e 24 de abril. Atualmente, a maior ocupação do MST inclui mais de 1.500 famílias no sul do Mato Grosso.

No dia 17 de abril de 1996, 21 militantes políticos do MST foram mortos pela Polícia Militar. Dezenove foram mortos imediatamente e outros três morreram nos dias seguintes; mais 69 pessoas foram feridos no tiroteio. Os membros do MST obstruíam uma estrada no estado do Pará, e a Polícia Militar cumpriu as ordens do então governador Almir Gabriel, que mandou para desobstruir a rodovia, e do então secretário de Segurança Pública Paulo Câmara, que autorizou o uso de força policial. Reportagens dizem que quase 150 policiais se envolveram no tiroteio. Em 2012, quase 16 anos após a própria matança destes membros do MST, somente dois oficiais, coronel Mário Colares Pantoja e major José Mauriz Pereira de Oliveira, foram julgados em tribunal: Pantoja foi condenado a 228 anos de prisão e Oliveira a 158 anos.

O massacre de Eldorado dos Carajás reverberava nos corações e nas mentes do MST há quase duas décadas. Para as pessoas que denunciam a violência nos campos, o massacre tem sido um grito de guerra e um exemplo emblemático da impunidade que existe quando os oficiais do estado lidarem com os interesses do povo sem terra. Enquanto dois policiais foram condenados, essa resposta não ressoa com o que o movimento considera a ser uma justiça adequada para seus interesses sociais e políticos. Para o MST, a justiça não é limitada a uma resposta judicial para as atrocidades individuais, tal como o massacre de Eldorado dos Carajás, mas é também uma resposta sistêmica às circunstâncias que permitem a ocorrência destes tipos de episôdios.

“A organização do estado e seus ramos judiciais têm leis que surgem de um sistema capitalista. A história do Brasil é marcada pela legislação que tem privilegiado os interesses do mercado”, disse Bruno Rodrigo Silva Diogo do diretório estadual do MST em Minas Gerais. O MST sustenta que a violência e a discriminação contra os trabalhadores sem terra existem porque a reforma agrária – ou seja, a reforma de terra – ainda não está realizada na prática.

Na Constituição brasileira de 1988, há um artigo que afirma, “Compete a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social…” Apesar da sua existência na constituição, a única maneira para fazer cumprir este artigo, ou uma investigação das terras, é ou para fazer uma reclamação ou se houver uma querela entre grupos ou indivíduos múltiplos.

“Quando o MST tem uma ocupação de terra, o que nós estamos fazendo realmente é pondo em ação a justiça que já existe na lei. Quando mostramos que há um conflito [através da ocupação], contestamos e apelamos ao sistema judiciário para que ela pode ser executada”, disse Diogo para Truthout. A justiça não é automática; eles sintam que é um processo que tem que ser reivindicado e por isso vale a pena lutar.

“Em nossas mãos, temos a legislação que poderia avançar um processo de democratização. Isso não acontece, porque a Justiça, o Congresso, o agronegócio têm uma hegemonia poderosa que não permite as leis que foram aprovadas a ser executadas na prática. São palavras mortas que não contribuem para um processo de diminuir desigualdades nos campos”, elabora Diogo.

As ocupações de terra são altamente contenciosas e criam confrontações diretos entre os latifundiários, o agronegócio, a elite da política, e os trabalhadores sem terra. Portanto, cada ação do MST se inicia com níveis elevados de pesquisa e mobilização estratégica, inclusive uma série de inspeções em colaboração com estudiosos e geógrafos: investigações de fazendas locais e propriedades grandes para o trabalho escravo e a exploração; de crimes ambientais e o abuso de recursos naturais; e do índice de produção adequado em relação ao tamanho e à capacidade da fazenda. Estas características legais são usadas para avaliar qualquer propriedade rural brasileira, e o MST faz de antemão esse trabalho para justificar suas ocupações. Eles selecionam três propriedades para ser contestadas. Uma delas está ocupada por famílias do MST e por trabalhadores, e as outras duas estão denunciadas imediatamente e uma solicitação para uma investigação pelo governo federal também está feita imediatamente.

A ocupação pode demorar anos para tornar-se um assentamento legal. Este processo é facilitado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no Brasil, que é frequentemente inconsistente em seu apoio de, e sua presença entre, os membros de coordenação do MST. Depois que uma ocupação se inicia, o INCRA trabalha para mediar entre os latifundiários e o MST e outros grupos sem terra. Se ganhasse, e após de uma série de investigações independentes na produtividade da terra, o latifundiário receberia um pagamento para suas propriedades expropriadas.

“Isto, o que nós fazemos, põe as pessoas em risco, põe as famílias em risco, os trabalhadores. Nossas vidas estão em risco”, disse Manezinho Lima, um coordenador regional para o MST no Triângulo Mineiro. Ao responder à pergunta de por que o senhor sinta-se compelido a continuar na ocupação diante de tal risco, ele disse, “Fomos deslocados pela cidade. Não nos oferecia trabalho com [salário mínimo], habitação, saúde, educação – sobretudo, dignidade… nós ocupamos para poder trabalhar e viver da terra”.

Este risco tem camadas múltiplas. Em várias regiões do país, os conflitos de terra têm resultado cada vez mais em violência, e a oposição à reforma agrária empurra os latifundiários e o agronegócio a contratar pistoleiros ou organizar milícias privadas, que operam clandestinamente para manter os sem terra para fora da propriedade. Do ponto de vista do MST, o governo federal é cúmplice no aumento da violência para não ter respondido às chamadas para reforma e para o atraso na resolução das disputas de terra e na facilitação de negociações.

Para o Movimento de Trabalhadores Sem Terra, os recursos naturais não podem ser considerados como objetos úteis e não podem ser tratados como mercadorias. Se não estava produzido através da própria mão-de-obra, não devia ser avaliado como propriedade privada. Terra, água, ar: estes são os recursos naturais aos quais eles querem acesso para as pessoas que podem beneficiar, e devem ser tomadas das que não os utilizam para o bem comum. Este é o debate e um desafio às noções de propriedade privada, que justificam a concentração imensa de terra e de riqueza e são as raízes de tanta desigualdade no Brasil.

“Abril Vermelho é um ressurgimento das massas e o retorno do povo às ruas para trazer reforma agrária e a questão dos sem terra ao centro do debate nacional. Manifestamos para lembrar o país, e assim que podem entender o valor da luta sobre a terra”, disse Aparecida Batista, uma coordenadora do comitê de educação do MST no Triângulo Mineiro. “O que garante a reforma agrária popular e a existência dos assentamentos atuais são mais ocupações. Se nós mesmos não ocuparmos aquelas áreas, estarão ocupados pelo agronegócio, cultivando soja e cana de açúcar”.

Atualmente, não há nenhuma maneira razoável para que indivíduos brasileiros podem adquirir um terreno. Houve umas tentativas de criar “land banks,” ou bancos de terras, mas as pessoas que trabalhavam com elas sofreram dívidas crescentes e estavam incapazes de pagar de volta.

A legalidade das ocupações é uma questão frequentemente levantada pelos críticos do movimento sem terra. “Eu não acredito naquela justiça”, disse Batista para Truthout. “Eles fazem essas leis para governar as pessoas pobres. Não respeitam direitos humanos. Quinhentos anos de dominação e a reforma agrária ainda não aconteceu”, ela acrescentou.

“Nossa luta é para a terra e a reforma agrária. Deus criou a terra; o homem é quem construiu barreiras e criou desigualdades”.